O HOMEM E A INFERTILIDADE: O LUTO PELO O QUE NÃO É VISTO

O comportamento dos homens em relação aos cuidados com a saúde vem mudando ao longo dos tempos, assim como seus hábitos de vida, apesar de ainda ser baixa a busca pela saúde masculina quando comparada aos cuidados das mulheres com a saúde. A mudança deste comportamento contribui para a prevenção à saúde do homem e a prevenção de alguns dos fatores de risco para a infertilidade.

A infertilidade que chega para o homem, sem aviso prévio, no momento em que tenta ter filho pode vir acompanhada de sentimentos como frustração, inferioridade, vergonha diante à dificuldade em engravidar sua companheira de forma natural, podendo interferir em sua identidade masculina, em sua vida pessoal, profissional e social.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define infertilidade como a ausência de gravidez após 12 meses de tentativas, com relação sexual ativa e sem o uso de métodos contraceptivos. E ainda classifica a infertilidade como doença que afeta uma em cada seis pessoas no mundo, ou seja, cerca de 17,5% das pessoas, sem discriminação, passarão pela infertilidade na fase adulta (Keenan, 2023).

Estima-se que cerca de 35% dos casos de infertilidade apresentam fatores causais masculinos, e estes fatores se apresentam de modo proporcional em relação aos fatores femininos da infertilidade. Mas mesmo estando na mesma proporção para homens e mulheres, socialmente a tendência é atrelar a infertilidade com a mulher que apresenta a dificuldade de engravidar, e assim, na maioria dos casos, é a mulher a primeira a buscar por uma investigação desta sua condição. Com essa mudança de comportamento do homem em busca da prevenção e preservação de sua saúde, a expectativa é que ele também busque pelas causas da infertilidade que podem ser variadas.

Como a infertilidade tende a ser relacionada à mulher, frequentemente se aborda sobre o emocional dela impactado dela infertilidade e seus tratamentos, e pouco se aborda sobre o sofrimento masculino diante a interrupção do desejo em ter um filho de forma natural. O que o homem sente não é validado, podendo ser esse um luto não reconhecido socialmente já que não se identifica o que exatamente foi perdido. Para o homem, o luto surge em relação a tudo que perdeu como o filho imaginado, o projeto de ser pai, o projeto de engravidar a companheira naturalmente. Falar sobre a infertilidade é um grande tabu para os homens, pois este é um assunto pouco esclarecido para a grande parte deles, e muito também por socialmente estar associada com a virilidade masculina.

A infertilidade pode trazer a ideia social de estar associada a potência sexual masculina, e quando o homem se deparar com a dificuldade em sua capacidade de reprodução, pode apresentar sentimentos de menos valia, fracasso, inferioridade e impotência, causando prejuízo para sua identidade como homem, fazendo com que vivencie esse momento silenciosamente e com vergonha. Surge o luto diante a falha do corpo em não funcionar para engravidar a companheira. Isso pode provocar um aumento do desgaste emocional, mas é raro os homens compartilharem com outros homens, ou com familiares, sobre suas questões relacionadas à fertilidade. Eles são cobrados pelos filhos que ainda não vieram e apresentam o receito de não serem compreendidos pelas
pessoas quanto as suas emoções e sentimentos diante ao momento que vivem.

Diante ao estresse e o desgaste que acompanha a infertilidade, os tratamentos de reprodução assistida em busca da realização de ter um filho exigem investimentos emocional, físico, financeiro, social.

A psicologia em reprodução assistida oferece espaço de escuta para que o homem fale, discuta e possa refletir sobre seus medos, ansiedades, frustrações, inseguranças, fragilidades diante da infertilidade e seus tratamentos, buscando promover uma jornada mais leve ao paciente. O profissional da saúde mental atende as demandas de adoecimento e sofrimento emocional, acolhendo, tratando, validando os sentimentos do paciente, auxiliando na identificação e desenvolvimento dos recursos internos necessários para o enfrentamento dos processos e tomadas de decisões.

É necessário incentivar e proporcionar que os homens busquem pelo apoio emocional para que possam identificar suas emoções, possam ressignificar seus sentimentos quanto a infertilidade, buscando passar por essa jornada emocional desafiadora com mais leveza.

Na clínica psicológica, acompanho casais, acompanho também individualmente mulheres e homens em tratamentos para a infertilidade, oferecidos pela medicina reprodutiva por meio das técnicas de reprodução assistida, e acompanhado aqueles que optam por outras vias para o exercício da parentalidade ou a escolha da vida sem filhos.

Os relatos dos pacientes destacando aqui os dos homens em processo psicoterápicos são referentes ao sofrimento em não poder engravidar a companheira, em relação a frustração em não ter um filho por meio da via natural como sempre imaginaram que seria, a impotência diante ao rumo do tratamento e seus resultados, a preocupação com a situação financeira do casal para se manter no tratamento, aos procedimentos, manipulação e medicações pelas quais a companheira é submetida, ao medo de não conseguir ser pai de seu filho biológico, a vergonha em contar para as pessoas sobre a dificuldade em ter um filho, entre outras dores individuais específicas de cada um que se depara com a infertilidade.

Passa a ser comum o homem descrever o impacto emocional da descoberta da infertilidade como a vivência de um luto daquilo que sempre imaginou que seria ter um filho. A dor da perda do que foi fantasiado em relação a vinda do filho é descrita com emoção, acompanhada por sentimento de frustração, tristeza, medo e culta. Com pouco apoio emocional, o homem busca “ser forte para amparar a companheira”, estando sujeito a desenvolver alterações emocionais significativas diante ao novo que se apresentam como possibilidade na busca do filho desejado. A baixa autoestima e sentimentos de inferioridade podem configurar ansiedade, estresse e depressão. O abalo em identidade do que se entende por ser homem, é mais um luto pelo qual descrevem passar diante da infertilidade.

Assim, os homens são intensamente afetados pelas consequências emocionais advindas da infertilidade e de seus tratamentos. Vivenciam sentimentos de luto, frustração, alta ansiedade, perda, agravados pela ideia social da relação entre infertilidade e impotência sexual. A equipe de saúde que acompanha o homem, seus amigos e familiares podem acolhe-lo em suas dores e a psicologia pode ajudá-lo a dar um novo significado para as suas vidas, a passarem por seus lutos e pela jornada da infertilidade e tratamentos de forma menos traumática.

Regiane Martins
Psicóloga Perinatal e da Reprodução Assistida – CRP 08/09583
Atuação e estudos de base Comportamental desde 2002.
Especialista em Análise do Comportamento e a Terapia Analítico Comportamental.
Especialista em Avaliação Psicológica. Membro associada da SBRH – Sociedade Brasileira de Reprodução Humana e SBRA – Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, com participações em cursos de formação sobre o tema e eventos científicos na área.
Psicoterapeuta EMDR.
Título de Capacitação em Reprodução Assistida para Psicóloga pela SBRA.
Coautora no livro “Gestação, Puerpério e Maternidade”, com o capítulo “Importância da Rede de Apoio para a Saúde Mental Materna” (Editora Conquista, 2022).
Coautora no Caderno de Resumos da “II Mobilização Nacional pela Saúde Mental Materna” com o capítulo “A Infertilidade Secundária como Fator de Risco para a Saúde Mental Materna” (Instituto Mater Online, 2022, p. 58 – 62, livro eletrônico).
Coautora no Caderno de Resumos da “III Mobilização Nacional pela Saúde Mental Materna” com o capítulo “Aspectos Emocionais de Gestantes que Conceberam por Meio da Reprodução Assistida” (Instituto Materonline, 2023, p. 63 – 67, livro eletrônico).

@psicoregianemartins
psicoregianemartins@gmail.com

 

REFERÊNCIA:

KEENAN, Laura. OMS alerta que 1 em cada 6 pessoas é afetada pela infertilidade em todo o mundo. OPAS – Organização Pan-Americana da Saúde, 2023. Disponível em: < https://www.paho.org/pt/noticias/4-4-2023-oms-alerta-que-1-em-cada-6-pessoas-e-afetada-pela-infertilidade-em-todo-mundo>. Acesso em: 02 de abr. de 2023.

 

Imagem de Drazen Zigic no Freepik

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