O luto é um processo natural e esperado diante de perdas e rupturas de vínculos. Ele é influenciado por fatores históricos, culturais, sociais, familiares, pessoais e intrapsíquicos. Ao longo da história, observamos que crenças, valores e regras sociais são transmitidos de geração em geração, adaptando-se aos novos contextos impostos pelas mudanças da sociedade. Assim, nossos antepassados nos deixam um legado cultural e nossos valores familiares nos orientam sobre como lidar com eventos importantes da vida, que são compartilhados socialmente. A morte, sem dúvida, é um desses eventos, sendo vivenciada de forma ritualizada e o luto de forma codificada em regras a partir de cada cultura.
E quanto mais lidamos com o mistério da morte e o confronto com a impermanência, mais necessitamos de regras e contornos sociais que nos aliviam do sofrimento e da incerteza mobilizados pela finitude.
É importante lembrar que esse processo não é exclusivo dos lutos concretos, onde temos um corpo para validar a perda, mas também de qualquer tipo de perda simbólica e ambígua, que nos convoca a rituais para concretizar e autorizar socialmente o sofrimento emocional e o processo de reajustamento diante daquela perda invisível, mas igualmente real.
Qualquer adaptação a uma nova realidade exige um conjunto de regras que nos ofereçam contornos, expectativas e previsibilidade. É assim que sobrevivemos ao novo, especialmente quando ele nos surpreende e nos rouba algo ou alguém muito significativo para nós.
Entre as tantas regras impostas neste cenário construído historicamente, observa-se um forte atravessamento biológico, cultural, histórico, e porque não, econômico e político impostas aos indivíduos a partir do seu gênero. Desta forma, testemunhamos que à mulher é facultada a expressão do pesar, o lamento agudo e prolongado, privado e público, seja por suas funções biológicas de manter o clã social conectado e agrupado, visando o compartilhamento de estratégias de sobrevivência em grupo e pela garantia da alimentação e reprodução, seja por seu lugar sociocultural historicamente fomentado. Com isso, as mulheres são culturalmente e historicamente incentivadas a expressar o luto de forma pública. Elas são, por assim dizer, as “carpideiras sociais”.
Por outro lado, mas pelos mesmos atravessamentos, os homens historicamente são censurados explicita e implicitamente de expressar qualquer tipo de pesar, o que pode levar em muitas situações, aos casos de auto-censura do enlutado.
A sociedade contemporânea tem avançado significativamente na revisão dos papéis sociais e nas definições das expectativas de gênero. No entanto, pouco se avançou em relação às regras que regem as expressões de pesar relacionadas a cada gênero.
Assim, quando os homens vivenciam o luto, espera-se que demonstrem uma reação mais pragmática e racional diante da dor, e muitas vezes são até patologizados quando isso não acontece. “Ele está deprimido”, “Assim ele vai ficar doente, não vai aguentar”, “Coitadinho!”. Essas expectativas sociais ainda estão enraizadas e refletem o olhar histórico-social que sustentou e ainda sustenta o ditado “engole o choro, menino!”.
E quando o luto ocorre em contextos de perdas simbólicas, como na infertilidade, o sufocamento do luto masculino é amplificado, seja pelo não reconhecimento do direito de expressão do gênero como pela falta de concretude da perda. Se a sociedade contemporânea busca romper as expectativas e regras sociais relacionadas à identidade de gênero, o mesmo deve acontecer em situações de perda e luto.
Não engole o choro, menino! Sua dor é genuína e merece e pode ser expressada e cuidada. Este site e todas as suas ações são um importante passo nesta direção.
Pode chorar menino, não há nada de errado em você não estar bem. Sua dor aqui será acolhida.
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Dra. Gabriela Casellato
Psicóloga clínica e co-fundadora do 4 Estações Instituto de Psicologia