Os homens também passam por perdas significativas e o silêncio prevalece.
Esses homens atravessam dores diversas e profundas, como abandono na infância, abuso sexual, amputação de membros, filhos/pais assassinados, perda do emprego, perda da mulher, morte do filho recém-nascido, perda dos bens materiais, divórcio, infertilidade, término de relacionamento, reprovação em processo seletivo, perda de amigos, separação dos pais…enfim, passam por inúmeras perdas assim como qualquer outra pessoa.
Os homens são frequentemente, encorajados a reprimir suas emoções e a manter uma “fachada de força”, que muitas vezes irá dificultar o movimento de pedir ajuda para o enfrentamento de seu luto. Porém, isso não significa que eles não estejam sofrendo profundamente e, o que torna esse processo ainda mais complexo é o fato de o luto masculino ainda não ser reconhecido como algo normativo na sociedade.
O luto masculino não segue o mesmo padrão observado nas mulheres. Os homens frequentemente adotam uma abordagem mais instrumental e reservada, em contraste com a tendência feminina, de se expressar mais facilmente e buscar apoio para esta lida. No entanto, essa forma do homem de reagir às perdas, não torna o seu sofrimento menos válido, apenas o molda de maneira singular.
Façamos então uma breve descrição do termo ‘masculino’. Segundo o dicionário Michaelis (2023), uma das definições para o termo é “Que denota vigor, força ou virilidade.” Assim, de acordo com estudos de Parkes (1998) podemos pensar que os homens, em relação às mulheres, reprimam mais as suas manifestações de luto e tenham mais dificuldades em se recuperar da perda, já que há uma tendência social masculina em esconder seus sentimentos e relutar no pedido de ajuda, confirmando a definição de que o masculino “deve” ter força, vigor virilidade. Ainda segundo estudos do autor, os homens reprimem mais seus sentimentos por se responsabilizarem pelos cuidados das esposas, filhos, pais etc. diante de uma perda. Socialmente também, é esperado que o homem tenha uma reação de força e enfrentamento diante da perda e o contrário, comumente é percebido como fraqueza, provocando pouca empatia de sua rede social e o não reconhecimento de seu luto (CASELLATO, 2015). É importante também ressaltar que estudos revelam uma incidência maior de problemas físicos nos homens, fazendo alusão à essa inibição de sentimentos que ele passa diante de uma perda.
Entendemos que na caminhada do luto existem dois movimentos básicos que deveriam funcionar num movimento de pêndulo: O movimento de orientação para a perda (chorar, ansiar pelo que se perdeu, rememorar, ruminar, negar etc.) e o movimento de orientação para a restauração da vida (responder as mudanças de reorganização da vida após a perda ou assumir as tarefas daquele que morreu; retomar as próprias tarefas do dia a dia, fazer coisas novas, se distrair; assumir a nova identidade etc) (Strobe e Schut, 2001 apud Parkes, 2009). O esperado é que ora estejamos de um lado e ora do outro. Os homens frequentemente, tendem a adotar uma ‘Orientação para a Restauração’ em vista das mulheres que adotam mais uma ‘Orientação para a Perda’. Desta forma, observamos novamente a cobrança social de um papel instrumental que é imputado ao homem assumir e que facilita a inibição de suas emoções.
A ausência de apoio adequado pode causar diversas consequências nos âmbitos biopsicossociais deste homem e tornar a caminhada do luto ainda mais pesada do que ela já é. Culturalmente, o homem não é encorajado a olhar para suas vulnerabilidades, quem dirá manifestá-las. Desta forma quando os homens não demonstram o luto e não são vistos como enlutados, eles se veem não reconhecidos dentro deste papel, não sendo respondidos, franqueados ou validados neste lugar de dor. Há um paradoxo na vivência da perda que, de um lado encoraja o homem a ser forte e controlar as emoções e de outro, há a crítica social por demonstrá-las. (ZINNER apud DOKA, 2002).
Na nossa cultura, um homem enlutado “precisa se apoiar em algo que não seja sair por aí chorando no ombro de alguém, pedido ajuda, admitindo que é vulnerável.” (STEIN, 2020 p. 54). Chorar, mostrar-se fraco e pedir ajuda, ao mesmo tempo, pode ter um significado transformador na vida, pois se quebrarmos esses estereótipos masculinos, destas masculinidades que são esperadas que o homem assuma socialmente, temos a oportunidade de vivenciar e transformar aquilo que está presente diante da perda. O papel de ‘ter’ e ‘prover’, roubam lugar diante do ‘ser’ e ‘estar presente’ e por isso, por vezes deixa-se de receber ajuda quando se mais precisa. (STEIN, 2020).
A maioria dos homens relutam em buscar essa ajuda quando estão sofrendo, devido a essa construção que leva ao medo, à insegurança e à vergonha, e isso os mantêm em silêncio. É importante que tenhamos a consciência de que expressar suas emoções ou pedir ajuda não está associado à fraqueza, mas sim à um ato de coragem, de cuidado, de autocompaixão e do entendimento de que ninguém precisa passar por tamanha dor sozinho.
—
Regina Monteiro e Natália Aguilar – Equipe Site Luto Infértil
Referências:
CASELLATO, G. Luto não reconhecido: o fracasso da empatia nos tempos modernos. In: CASELLATO, G. (org.) O resgate da empatia: suporte psicológico ao luto não reconhecido. São Paulo: Summus, 2015.
DOKA, K. J. Disenfranchised grief: new directions, challenges and strategies for practice. Illinois: Research Press, 2002.
MICHAELIS. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Disponível em <https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/masculino/>. Acesso em 16.1.23.
PARKES, C. M. Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. São Paulo: Summus, 1998.
PARKES, C. M. Amor e Perda: as raízes do luto e suas complicações. São Paulo: Summus, 2009.
STEIN, R. Luto masculino. In: CASELLATO, G. (org.) Luto por perdas não legitimadas na atualidade. São Paulo: Summus, 2020.
Imagem de Freepik