O cantor e compositor Tiago Iorc, em sua música “Masculinidade (2021)”, ganhou notoriedade após passar meses sumido da mídia e dos holofotes. Ao certo, não se sabe o motivo da ausência, mas quando reapareceu em seus trabalhos, lançou esta música que resume bem o homem e seus aspectos na nossa sociedade. Em um dos trechos, ele afirma o seguinte:
“Do tipo pra não ser muito sensível
Homem não chora, homem não isso e aquilo
Aprendi a ser indestrutível
Eu não sou real”.
Este trecho, mostra bem o que realmente os homens cultivam diante da construção sobre o que é ter uma masculinidade. J J Bola, em seu livro Seja homem – A masculinidade desmascarada, “Porque a sociedade é em geral patriarcal, no sentido de favorecer os homens para que eles ocupem posições privilegiadas, ela faz parecer que os homens não experimentam qualquer tipo de sofrimento íntimo (…) o sistema que coloca os homens em vantagem na sociedade é essencialmente o mesmo que os limita, inibindo o crescimento pessoal e, no fim das contas, levando ao colapso dos indivíduos”. Logo, é notório que o sistema patriarcal, cria homens com a ilusão de que os mesmos são de aço, mas na verdade, no primeiro impacto com a dor, se desmancham, pois perdem a noção da vulnerabilidade.
No que se refere aos homens tentantes, essa representação da masculinidade diante da infertilidade, também se encontra na mesma esfera. Segundo a OMS, considera a infertilidade quando o casal busca pela gravidez por meio natural há cerca de um ano e não obtém sucesso, estimando que 20% da população mundial tenha algum problema para engravidar. Apesar de ninguém estar preparado para um diagnóstico de infertilidade, é notório que as mulheres tentantes, sofrem e buscam auxílio de forma mais comum e rápida, diante do diagnóstico. Sobre o homem, calar-se é a melhor opção, ou então, fugir da dor, culpando a companheira, é menos doloroso. Para Laqueur, historiador americano e autor do livro Inventando o sexo, o modelo de sexo único poderia ser entendido como uma forma de preservar o pai, o que representa a sociedade da época, revelando a supremacia do homem sobre a mulher, porque se acredita ser mais forte a semente do macho do que da fêmea, sendo o dele mais importante para a reprodução. Pensamento que ainda tem vestígios na cultura atual.
Pois bem, o homem é visto como um ser que não poderá ter defeitos ou demonstrar fracasso. Diante de uma cultura em que o nascimento e a fertilização são totalmente preservados, o desejo de um filho ainda é extremamente vivo em muitas famílias e principalmente, aos homens. São como frutos de desejos para validar a sua virilidade. A mulher que não pode dar filhos ao homem, é amaldiçoada ou pecadora, fracassada ou imperfeita. O homem nunca pode ser visto como parte deste “fracasso”, mesmo que a sua dor seja óbvia para si mesmo. A sua auto blindagem, máscara que o sofrimento diante da infertilidade, é algo irreal e que não pode ser aceito, mesmo que haja um diagnóstico, e mesmo com as devidas tentativas, sendo através de métodos de reprodução ou o método comum que bem sabemos, isso se faz presente. É como se o luto não pudesse existir ou ser vivido.
Com isso, Ribeiro (2012) afirma que a infertilidade pode causar estresse, alterando funções fisiológicas, inclusive, aquelas ligadas à fertilidade, formando um círculo vicioso que se retroalimenta. Seguindo esta ótica, o homem enxerga todas as dificuldades, mas não a necessidade de lidar com as emoções de forma funcional e correta. A estudiosa Valeska Zanello, fala sobre questões e fenômenos que moldam o homem, como entre eles, a saúde mental, onde a negligência do sentir, a falta de vulnerabilidade e a falta de procura por ajuda, permeiam sua vida. Pesquisas mostram que 56.5% dos homens têm medo de expor anseios e dúvidas mesmo ao amigo mais próximo e 80% lidam com a alexitimia. A falta de aceitação no luto, alimenta a possibilidade de não acreditar na sua real condição fisiológica. É refletir e achar que o pênis não pode falhar.
Sobre essa falta de entendimento e aceitação diante do luto por conta da infertilidade, é muito comum ouvir na clínica, um apreço do homem pela sua genitália, mesmo diante da condição infertil, do que pelas condições psicológicas de suas companheiras. O medo da imperfeição, segundo relatos, é algo que vivo e que se transforma em uma grande ilusão, que maltrata esses homens. O espaço de acolhimento sempre é oferecido e exercido, como forma de ouvir e abraçar as demandas que estes homens trazem, é necessário uma escuta extremamente ativa e sem julgamentos, pois muitos pensam em buscar ajuda psicológica de psicólogos homens, pois se exporem para outras mulheres, é algo que grande maioria deles acreditam que seja doloroso.
Com esta compreensão, sempre partimos do pressuposto sobre o que eles querem expor, independente se o pensamento seja o mais absurdo possível. Como grande parte não conseguem entender suas emoções, a forma livre em relatar o que vem em sua cabeça, é o caminho mais propício para uma caminhada saudável no processo do luto.
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CAMARGO, R. P. Panorama nacional da infertilidade. In: MALAMED, R. M.; SEGER, L.; BORGES, E. J. Psicologia e reprodução humana assistidas: uma abordagem multidisciplinar. São Paulo: Santos, 2009.
RIBEIRO, M. F. R. Infertilidade e reprodução assistida: desejando filhos na família contemporânea. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2012.
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Davi Lopes da Silva – CRP: 11/19864 – Psicólogo e Logoterapeuta, Psicoterapeuta e Escritor; Formação em Psicologia Perinatal e em Logoterapia e Análise Existencial pelo Instituto Fratelli. Pós graduando em saúde mental perinatal no Centro de ensino em ciências mentais perinatais; Idealizador do coletivo “Cadê o Adão?”, trabalhando com masculinidades e paternidades. Professor no Instituto Fratelli.